Na fotografia Séculos circulares

Na fotografia

Séculos circulares

 

 

Geórgia Alves

O Professor de Literatura Russa e Teoria Literária mostra a sala onde viveu o seu autor mais-que-admirado, estudado, lido, relido, anos a fio finamente revirado em sua obra e, mesmo em tempos fluidos que pouco espicam e mais fumaçam, ainda solidamente querido.

Na parede, na parede oposta, o relógio marca o horário exato em que Fiódor Mihláilovitch Dostoiéviski morreu dia 9 de Fevereiro de 1881. Uma imagem guarda tantas interfaces.

Há nelas tantas camadas de leitura…

Ambos, o professador e Dostoiéviski, nasceram no mesmo dia 11 de novembro. Neste ano, a data marca uma das mais importantes efemérides da História da Arte e da Literatura, graças a uma das formas Literárias mais experimentadas em todo o mundo.

Há duzentos anos, uma família moscovita daria origem a este que seria também estudado por Mikhail Bakthin, um dos autores mais controversos, humanos, dedicados, corajosos, inovadores e para além da própria existência. Poderia pensar outros adjetivos incompletos para definir o amado autor de Crime e Castigo.

E seu legado se estende por romances, contos e aforismos. Etc, etc. De Notas ou Memórias do Subsolo a Lembrança da Casa dos Mortos (ou Lembrança da Casa Morta). Os Irmãos Karamazov, O idiota, O duplo (das maiores genialidades já cometidas), A dócil, O sonho de um homem ridículo, e mais. Autor lido e estudado por Freud, contemporâneo e mais, adaptado para o cinema inúmeras vezes.

Desde novembro do ano passado acompanho o detalhamento e desdobramentos refinados do tema de Pós-doutorado pela Northwestern University, em Chicago, EUA, deste jovem escritor professor nômade e youtuber, Flávio Ricardo Vassoler.

Não apenas impressionada pela amplitude de sua pesquisa, como pelo modo didático de fazer chegar de modo tão empático e generoso, a tantas pessoas com ou sem formação teórica suficiente, infindáveis reflexões sobre a obra de alguém que Clarice Lispector declaradamente leu, junto e misturado a “romances cor-de-rosa”, escritos para entreter mocinhas.

Dostoiéviski escreveu uma obra em meio às crises de epilepsia e estrangulamentos financeiros, ameça de fuzilamento e a comutação de tal pena no último instante por puro sadismo de um Tzar que obrigou os soldados à encenação diante daqueles rebeldes que inflamaram o pensamento vigente nas reuniões do Círculo de Petratchev. Circular quanto a história de outros que sobrevive a tempos achatados.

Terraplanados, para dizer o mínimo, por subjetividades das mais insistentes. Difícil saber se assim o são pela complexidade própria das criaturas humanas ou pelo intrínseco modo da Arte de provar para si mesma, ser, independente dos humanos, o mais radical experimento com grau relativo de permanência sobre o globo terrestre. Como compreender as dores de Raskonikov, quando personificada em seu espelho surge a figura de Nietzsche e a miragem lhe faz acertar o machado na própria forma de crânio?

Nós, ossos que somos, por vós esperamos e, grita no fundo do alçapão do palco de Bergerac uma voz, pela soltura do último demônio: há esperança. Para quem quer que seja dotado de relógios? Ou solidões?

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@Geórgia.alves1

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