Dar Vida aos outros!

Dar vida aos outros
Raul Tartarotti
O livro “Rebeldes e marginais”, descreve a cultura nos anos de chumbo (1960-1970),(Editora Bazar do Tempo, 2024), foi a publicação mais recente de Heloísa Teixeira, que analisou a produção dos jovens artistas brasileiros a partir da década de 60, e aprofundou a gênese de movimentos como o Cinema Novo, Cinema Marginal, Tropicalismo, Teatro Oficina, o happening nas artes plásticas e aquilo que ela denominou como “esquerda festiva”. Aliás, o que ela escreveu no prefácio à primeira edição valeria, nas décadas seguintes, para os engajamentos com os feminismos, a Flup e a prodigiosa Universidade das Quebradas: “A investigação desse debate é a investigação dos fundamentos do próprio percurso intelectual dela, ou seja, da sequência de contradições e descaminhos que constituíram a possibilidade teórica deste trabalho”. Pensar e agir eram inseparáveis, com suas dores e delícias.
Heloisa Teixeira, uma das maiores intelectuais dos estudos de cultura, produção marginal e relações de gênero do país, morreu na sexta-feira (28.03), aos 85 anos. Ocupou a cadeira número 30 da Academia Brasileira de Letras desde 2023, foi escritora e professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Contradição e descaminho eram mato nos movimentos sempre impetuosos de Helô. Ela não temia o entusiasmo, e o desassombro, presente até na fala enfática, nunca lhe turvou o ponto de vista crítico. Não sem riscos, fez da incerteza uma bússola para orientar e reorientar projetos, caminhos, estabelecer diálogos e conexões surpreendentes.
Certa vez foi entrevista pela jornalista Adriana Ferreira Silva da Quatro Cinco Um.
-“Minha profissão é dar voz aos outros. Faço a mediação. É assim que trabalho, crio e penso. Tenho dificuldade em me definir como protagonista. Na geração de 60 eu estava lá, era amiga, tinha festa, passeata e praia. Eram as três arenas políticas da esquerda festiva, que era chamada assim, porque ao invés de fazer guerrilha, de ir à luta de fato, ficava na praia, dizendo que estava revolucionando”. Sobre o livro “Enter-Antologia digital, ela considerou como matéria de exame, todas as formas de literatura praticada na web, muitas vezes excessiva e desigual, mas sempre a expressão de uma geração comprometida com a criação compartilhada, com a velocidade dos posts e com a expansão das fronteiras da palavra. Considerou a palavra escrita, a palavra contemplada, a palavra de ouvido, a palavra cantada.